“Abra a porta. O relógio se mantém tic-taqueando, enquanto você permanece aí, sentado a olhar por esta janela. Não adiante mais, não agora… Respire fundo. Apague o cigarro e tire o som. A mesma música, a mesma melodia, tocando sem parar, repetindo… A mesma canção. Desligue-se, não do mundo, mas desse mundo, o qual você se trancafiou. Dos medos que você resolveu fugir, no lugar de enfrentar… Das verdades que não quer ouvir, por um motivo desconhecido preferiu aqueles que para ti preferem mentir. Acorde. Apague esse cigarro. E deixe de lado as drogas médicas, os comprimidos que tu tanto usas, a coca cola que tanto bebes. Ontem foram seis litros, hoje mal acordastes já passas dos dois e meio. Não espere, agora já não adianta mais.” E em sua cabeça tornava a ressoar, um tom alto… Um momento angustiado, um aperto no peito o qual não saia, não acabava. A voz queria falhar, a vontade era fugir daquele lugar. Mas fugir para onde se já não há mais para onde ir? Havia se trancado naquele mundo, o qual chamara de seu e que se tornou uma espécie de proteção para o mundo exterior. O ar turvo, cinzento. A fumaça continuava a sair do cigarro, ainda que não estivesse mais em sua boca, ainda havia metade dele para queimar sob o cinzeiro. Ficou de pé, parou de olhar para a janela de vidro, a qual estava fechada. A cidade escura do lado de fora. Talvez a angustia de morrer sem ar em meio aquela fumaça, somada a ausência de tantos outros órgãos devido ao uso excessivo dos remédios, bem como da maldita coca cola, a qual já não sabia mais viver sem fosse mais fácil, simples e menos doloroso que a agonia que sentia naquele momento.
Ficou de pé. Não queria sair, mas não queria ficar ali, não mais. Mas então, o que faria? Tentar algo novo mesmo quando já se acostumou com a monotonia? Quando a agonia, a dor da perda e o medo do sofrer lhe atormentavam tão vividamente? Será mesmo que já estaria pronto mais uma vez para encarar o mundo e as pessoas? Essas perguntas não saiam da cabeça dele, isso o consumia agora. A barba para fazer, o cabelo desgrenhado, o olhar quebrado, pesado e repleto de olheiras das noites mal dormidas – isso quando ele conseguia dormir. Esperou, olhou para o relógio sem saber a melhor medida a tomar naquele instante. E então, após tanto tempo resolveu agir unicamente por impulso. Fugir daquele costumeiro sentimento de prisão e tristeza que o mantinha por tanto tempo aprisionado ao passado. Aprisionado a pessoas que já nem lembravam mais o seu nome. Sentimentos que o mantinha aprisionado ao si mesmo, ou melhor, a um antigo “eu” que ele fora, mas esse agora já nem existe mais, não havia necessidade de se prender a ele. Respirou fundo, nem sabia o que iria fazer. Apenas tomou um banho gelado, vestiu as primeiras roupas que vira (uma camiseta branca, a usual jaqueta preta e a calça cinza) e tornou a sentar no sofá. Há tempos não olhava para o objeto que se quer lembrava que existia naquela casa. Um espelho. Moldura antiga, de madeira, estragado pelo tempo. Mas ainda assim dava para se ver por ele. Ficou de pé e caminhou alguns metros, olhou no fundo dos seus olhos. Quanto tempo desde a ultima vez que se vira com uma aparência jovial e saudável… Nem lembrava-se mais que era jovem. Estava pronto para encarar a vida. Mesmo em uma sexta feita a noite. Sim, por medos e por vários outros motivos estivera preso, mas agora não. Não esta noite. Ele afastou-se do espelho e rumou para a porta. Seria agora ou nunca. Segurou a maçaneta ainda com receio, mas ao abrir pode, por fim, sentir o gosto de algo que já não via a muito: liberdade. O vento veio de encontro ao seu rosto, indo de encontro com ele e levando consigo o passado. Porque de nada adiantaria mais esperar ou chorar pelo que se fora, tinha uma vida enorme pela frente. Ela estava apenas começando.